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Especial Paul Verhoeven

Quem é Paul Verhoeven?

por Bernardo Brum

Para a maioria esmagadora da comunidade cinéfila, em todos os meios  – na internet ou nos cineclubes – Paul Verhoeven é comumente conhecido como um dos cineastas “tipo exportação” que proliferam há décadas nos Estados Unidos, responsável por alguns clássicos filmes de ação e bombas de proporções gigantescas – e nada mais. Mas como reza o velho (e clichê) ditado nem sempre pode-se julgar um livro pela capa. O poder de fogo de Verhoeven é, mesmo que relegado a um segundo escalão cinematográfico, de um alcance longo e duradouro, capaz como poucos de cumprir a missão número um do cinema – cristalizar no inconsciente coletivo as imagens em movimento.

Mas deixando a retórica de lado, vamos nos ater aos fatos. Nascido na Holanda em 16 de julho de 1938, filho de um professor e uma chapeleira, Verhoeven curiosamente parecia não ter o cinema como sua primeira opção. Quem conta isso é o seu diploma em Matemática e Física, pela Universidade de Leiden. Sua infância foi um tanto agitada: crescido em uma casa perto de uma base alemã constantemente bombardeada pelos Aliados e, ao mesmo tempo, banhado na escola e nos cinemas da região por filmes informativos e películas americanas que aprendeu a gostar desde a mais tenra idade – como Frankenstein, Guerra dos Mundos e filmes B de detetives. Nesta época, também, teve interesse por desenhar histórias em quadrinhos.

Talvez seja esse background que tenha feito ele desistir de usar profissionalmente sua graduação e investir sua energia e recursos na feitura de filmes. Nessa época, dirigiu alguns curtas-metragens e documentários para a marinha (um deles, inclusive, ganhou um premio francês destinado a filmes militares) e para a televisão e casou-se com Martine Tours, que mais tarde daria a ele duas filhas.

No início da década de 70, finalmente Paul Verhoeven estrelaria em longas-metragens, com o exploitation tornado cult Negócio é Negócio, uma comédia de humor negro sobre duas prostitutas que foi mal recebido pela crítica. Mas iria à forra em 1973, com o sucesso Louca Paixão, que foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e, duas décadas depois, foi considerado o melhor filme holandês do século. O filme marcaria o início da parceria do diretor com Rutger Hauer, prosseguida dois anos depois com Os Amantes  de Katie Tippel, que não alcançou o sucesso do anterior.

Mas isso não parecia motivo para parar Verhoeven, que logo emplacou outro sucesso, o épico de segunda guerra Soldado de Laranja, novamente com Hauer. Choveram prêmios e indicações mais uma vez: concorreu para o Globo de ouro e ganhou como melhor filme de língua estrangeira na premiação dos críticos de Los Angeles. Curiosamente, na tal eleição dos filmes mais importantes da Holanda ocorrida na década de 90, Soldado de Laranja ficaria com o segundo lugar, perdendo para o supracitado Louca Paixão.

Nessa época, o cineasta já havia cravado suas marcas de estilo: perversão, nudez frontal, diálogos “sujos”, escatologia e  outros elementos do gênero eram filmados de forma despudorada e direta. É o caso de Sem Controle, seu quarto filme com Rutger Hauer, considerado por muitos na época uma versão bem mais violenta e sexualizada de Os Embalos de Sábado à Noite. O último filme do diretor em sua terra natal seria o horror O Quarto Homem.

Daí então teria início o ápice e também o período mais polêmico (para críticos e para os fãs) da carreira de Verhoeven. Exportado junto com seu ator de estimação (vocês sabem quem) fez o filme de época Conquista Sangrenta, com Jeniffer Jason Leigh (que, mesmo se passando em 1500, não abandona a violência e o sexo que são tão característicos de sua obra!). O ponto de virada, que fez Paul ser lembrado por todos como um cineasta que gira suas obras em torno de pólos como efeitos especiais incrementados, orçamentos altos e violência explícita, viria com a ficção científica policial Robocop, que além de ganhar vários prêmios por efeitos especiais, tornou o seu protagonista um ícone da cultura pop – daqueles que todo mundo já ouviu falar mesmo sem ter visto.

A boa fase continuaria com outra ficção científica, O Vingador do Futuro, com o “terminator” Arnold Schwarzenegger, baseado em um livro do célebre escritor do gênero cyberpunk Philip K. Dick. Outro sucesso de público, crítica e premiações. Depois de dois filmes sci-fi seguidos, decidiu voltar aos tempos de sexualidade, tensão e provocação com o suspense à lá Hitchcock Instinto Selvagem, que novamente abalou as estruturas cinematográficas e populares por apresentar a famosa cena em que, num vestido curtíssimo e sem roupas de baixo, uma Sharon Stone no auge da gostosura dá a cruzada de pernas mais famosa do cinema.

Verhoeven continuou nesse universo altamente sexualizado em Showgirls, filme criticado impiedosamente quando foi lançado, recebendo censura máxima e conquistando os  “prêmios” de Pior Filme e Pior Diretor no Framboesa de Ouro. Curiosamente, ao longo dos anos, Showgirls viraria um verdadeiro cult, fazendo um sucesso alucinado no mercado das videolocadoras, arrecadando mais de 100 milhões de dólares com aluguel de fitas VHS e tornando-se um dos vinte filmes mais lucrativos da MGM…

A polêmica continuaria quando Verhoeven retornou ao universo das ficções científicas sangrentas Tropas Estelares, que fazia alusões a uma sociedade militarista e totalitárias no futuro, percebido por alguns como uma crítica sarcástica do diretor aos Estados do mundo, e por outros levado a sério, chegando inclusive a alguns taxarem abertamente o diretor de facista (polêmica semelhante também enfrentada pelo livro homônimo do qual o filme foi adaptado). Em 2001 viria O Homem Sem Sombra, o último filme de Verhoeven em terras americanas, a livre adaptação (no sentido de tomar muitas liberdades criativas em relação a obra original) do clássico livro de H. G. Wells O Homem Invísivel. Apesar das duras críticas ao roteiro, o filme foi elogiado por uma parcela do público pela excelência no uso de efeitos especiais gerados por computação gráfica (sendo inclusive indicado ao Oscar nessa categoria).

Depois de morar 20 anos nos Estados Unidos, Paul Verhoeven retorna com festas e glórias aos Países Baixos e filma uma nova obra em 2006, A Espiã. Dividindo a crítica e abocanhando três prêmios da premiação nacional de cinema da Holanda, o filme foi definido pelo anfitrião da entregra dos prêmios como “o retorno de um herói”. Desde então, apesar de ter anunciado alguns projetos, Verhoeven ainda não dirigiu mais nenhum filme. Mais recentemente, como membro de uma associação de críticos do cristianismo, lançou um livro em 2007 sobre Jesus Cristo que desagradou muitos por suas acusações de corrupção da instituição religiosa e supostas ofensas contra o símbolo maior dessa religião.

Em quarenta anos de cinema, Paul Verhoeven conheceu altos e baixos como nenhum outro. Foi chamado de gênio, incompetente, refinado e escatológico na mesma medida e, lentamente, após grande início de carreira, empurrado por crítica e cinéfilos para o underground do mundo cinematográfico, sendo considerado, hoje em dia, autor de poucos clássicos, filmes primogênitos desconhecidos e obras recentes desprezadas. Mas, como sempre, não para o Cine Café. Por ser forte e direto como poucos cineastas ousam ser, por ter a coragem de entrar na nação mais poderosa do mundo e brincar acidamente com seus costumes, tabus e manias e pela sua autoralidade altamente descarada e maluca, costurando tudo isso com uma linguagem narrativa sempre densa, bem estruturada e ganchuda, ele merece mais do que comentários ocasionais aqui e ali. Direto do subsolo, com todo os litros de sangue, seios de fora e abuso sacana dignos de um bom maldito, com vocês, Paul Verhoeven.

Sem mais delongas, segue abaixo o cronograma do Especial, com o calendário direitinho dos textos que serão publicados.

– Cronograma Especial Paul Verhoeven –

Dia 1: Texto de Abertura, por Ber + Robocop, por LC
Dia 2: O Amante de Keetje Tippel, por Troy + O Homem sem Sombra, por Ber
Dia 3: Sem Controle, por LC + Screenshots: Robocop, por LC
Dia 4: Louca Paixão, por Ber + Negócio é Negócio, por LC
Dia 5: Instinto Selvagem, por Troy + Screenshots: Instinto Selvagem, por Troy
Dia 6: Soldado de Laranja, por Ber + Showgirls, por LC
Dia 7: Tropas Estelares, por Ber + A Espiã, por Troy
Dia 8: O Quarto Homem, por LC + Conquista Sangrenta, por LC
Dia 9: Vingador do Futuro, por Ber + Screenshots: O Vingador do Futuro, por Ber
Dia  10: TOPs

11 comentários em “Especial Paul Verhoeven

  1. Não vi nenhum filme do Verhoeven além de ‘O Vingador do Futuro’, ‘Robocop’, e ‘Instinto Selvagem’. Robocop é tenso. ‘Instinto Selvagem’ é tenso. ‘Total Recall’ é o melhor papel do Schwarzza, but that’s not saying much, anyway. Eu tinha o jogo pro NES.

    Lerei, todavia, em respeito a essa maravilha da criação chamada Bunda.

  2. Robocop é filmão; Instinto Selvagem é excitante; Vingador do Futuro e Tropas Estrelares são divertidos e bem trabalhados enquanto ficção; e A Espiã, já tinha uma abordagem interessante sobre a II Guerra, antes de Bastardos Inglórios existir (incrível perceber como Verhoeven entende do assunto, como seu cinema é corajoso, parabéns pela iniciativa do Blog.

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