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Tiros na Broadway (Woody Allen, 1994)

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– por Guilherme Bakunin

Os anos noventa declaram algo importante na carreira de Woody Allen: ele está ficando velho e, progressivamente, deixará de ser tão frequente em seus próprios filmes, especialmente porque a temática de seu trabalho costuma ser invariavelmente a mesma: as neuroses do cotidiano na vida dos metropolitanos. Tem sido assim desde A última Noite de Boris Grushenko e até agora, poucos de seus filmes saem dessa alçada.

Tiros na Broadway é o segundo noventista a não contar com a presença do diretor. Aqui, não há personagem que faça paralelo com a persona de Woody. O mais próximo que temos disso é David Shayne, interpretado por Cusack, escritor de peças teatrais com um leve complexo de superioridade que geralmente acompanha autodeclarado artistas, que se vê obrigado a aceitar uma má atriz em sua peça para poder produzi-la.

O filme segue, em geral, dois caminhos: a construção da peça e pequenas cenas onde são narrados acontecimentos paralelos que de uma forma ou de outra envolvem o pessoal do teatro. Allen trabalha aqui com gângsters idealizados, retratados como figuras estereotipadas pelo cinema que o cineasta tanto admira. E se aprendemos algo vendo seus filmes, podemos dizer que os ‘mocinhos’ de Tiros na Broadway foram feitos em torno dos gângsters, e não o contrário, como pode parecer. Além das intrigas no preparo da peça e o conflito interno de auto questionamento de Shayne, o filme abre um leque pra clássica filosofia manhattiana dos filmes de Woody, indo de Nietzsche às artes, Shakespeare à Crepúsculo dos Deuses.

O texto aqui é poderoso, firme e objetivo, porém flexível o bastante para dar espaço às fantásticas reflexões de Woody Allen sobre a vida, sobre a arte, sobre o amor. Referente ao esquema do gângster ser o verdadeiro gênio, não vou corroborar com esse tipo de coisa. Woody Allen deixa sua ideia bem clara: o artista nasce pronto e ninguém pode tornar-se um. É simplista demais, cômico demais pra ser algo levado tão à sério (um tramamento mais dramático poderia ter servido melhor pra sustentar a queda de Shayne e sua arte, algo que Allen hesita em utilizar aqui).

Num universo controlado por armas e chapéus, onde as duas únicas saídas parecem ser viver uma vida ordinária ou se entregar de corpo e alma à salvação da arte, qual é o papel do homem nesse lugar? A discussão pode ir longe, e entre cães e Helens Sinclairs, nós, juntamente com Allen, descobrimos que tudo o que podemos aspirar é ao amor, ainda que jamais venhamos a ter certeza do que ele seja.

5/5

Ficha técnica: Tiros na Broadway (Bullets Over Broadway) – EUA, 1994. Dir. Woody Allen. Elenco: John Cusack, Dianne Wiest, Jennifer Tily, Chazz Palminteri, Mary-Louise Parker, Jack Warden, Joe Viterelli, Rob Reiner.

24 comentários em “Tiros na Broadway (Woody Allen, 1994)

  1. Não gostaria de justificar, até porque a nota é algo puramente ilustrativo – o texto mesmo é que conta. Mas então, a gente deve ver tipo, um filme por dia, mas postamos uma, duas ou no máximo três vezes aqui no blog. O natural é que escrevamos sobre aquiles filmes que mais nos agradaram (com exceções). Além, é claro, que a gente possui um processo seletivo na hora de escolher os filmes que vamos ver, então é meio natural ver algo que nos agrade.

    O que deve mudar com o tempo, é apenas a escolha pros filmes aqui postados. Me recuso a ouvir qualquer repúdio a uma nota máxima prum filme do Woody Allen, por exemplo.

    1. Concordo em gênero, número e degrau.
      Falou tudo!
      Talvez se começarmos a postar sobre filmes do Tony Scott ou do Michael Bay o pessoal fica mais contente.

  2. “Ué, não vejo como o Ridley Scott pode ser tão melhor que o Tony.”

    O Ridley não é melhor que o Tony: empatam no mesmo nível de mediocridade.

    (tá, tá, o Ridley fez 2 filmes fodas e sabe editar [um pouco] melhor que Tony)

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