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Banho de Sangue (Mario Bava, 1971)

por Bernardo Brum

Praticamente uma síntese do cinema fantástico italiano, Banho de Sangue exibe e consagra cada um dos elementos que fizeram esse tipo de cinema ser tão amado pelos admiradores: as histórias de traição e mistério saídas de romances baratos de banca de jornal, a beleza plástica violenta e enlouquecida, a sexualidade obscena e sacana, a ambiguidade mórbida de cada um dos seus personagens, tudo convergindo em filmes únicos e singulares. Os japoneses até que tentaram, mas cá entre nós: ninguém filmou terror feito a turma da terra da macarronada.

Sem precedentes, em um conto de ganância e assassinato narrado de forma absolutamente raivosa e imprevisível, esta obra – uma das mais influentes de Bava, que futuramente seria referência (e matéria-prima para cópia) de dez entre dez slashers – é deslocada no seu próprio tempo. Sua dose catártica de violência nem um pouco sutil é tudo os que os detratores de brutalidade no cinema mais detestam, e foi justamente assim no início da década de setenta: para aquela época, era absolutamente chocante.

Necessário lembrar, para contexualizar o leitor, que é anterior a Saló, Quadrilha de Sádicos, Holocausto Canibal e tantas obras que extrapolaram o limite de repulsa do espectador. Ainda estava longe de John Carpenter fazer Halloween e, portanto, mais longe ainda dos filmes de matança virarem produtos comerciais de grande expressão. A ousadia de Bava custou financeiramente, é claro – o filme naufragou nos cinemas. Mas como diria a velha sabedoria popular, a justiça tarda, mas não falha.

Grande parte do choque da obra vem do fato de ela ser completamente amoral: absolutamente todos os personagens do filme são cretinos e filhos da puta de marca maior – nem as crianças escapam da metralhadora giratória do italiano. O resultado é um filme sujo e sem freios – uma vez que a matança começa, não adianta torcer por um ou outro: o título original, “reação em cadeia”, já prenuncia o efeito dominó que vem por aí; todos vão cair como moscas (não à toa, a abertura do filme é um travelling ensadecido que acompanha uma mosca invisível até ela morrer e cair dentro de um lago) simplesmente porque abandonaram quaisquer valores éticos em troca de alguns trocados.

Uma década depois, Sexta-Feira 13 imitaria descaradamente as mortes do filme, mas insistiria em criar personagens castas e virginais para dar esperança a quem assistia de que “o bem sempre vence”. Ponto para Bava que, em frenesi sádico, abandonou ele mesmo qualquer compaixão e piedade e fez um filme abertamente transgressor, que sacaneava as expectativas de quem assistia na cara dura – tudo porque o velhinho parecia mais afim era de deslumbrar quem assistia com algumas das set-pieces definitivas dentro do gênero. Todas as composições de quadro são invadidas pelo sangue muito antes da primeira machadada – está nos ângulos de câmera estranhos, na ambientação suja, da fotografia que se utiliza de contrastes abusivos de cor. Os olhos do espectador então, já estão agredidos o suficiente para que comece a verdadeira porrada audiovisual que uma vez que começa, poucas vezes para pra respirar ou raciocinar. É um psicótico matando com a sua câmera – Peeping Tom sem nenhuma leitura semiótica escondida.

Pois Banho de Sangue é pura e simplesmente uma elegia da carnificina, um estupro aos olhos ouvidos, uma maluquice de marca maior. E se tratando de cinema de terror, isso é belíssimo. Se tratando do cinema fantástico italiano, então, é uma obra daquelas pra chamar de definitiva.

4/5

Ficha técnica: Banho de Sangue (Reazione a Catena/A Bay of Blood) – Itália, 1971. Dir.: Mario Bava. Elenco: Luigi Pistilli, Leopoldo Trieste, Claudine Auger, Claudio Camaso, Anna Maria Rosati, Chris Avram

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