Comentários

Medos Privados em Lugares Públicos (Alain Resnais, 2006)

File3

– por Guilherme Bakunin

Este é um trabalho recente do cineasta francês Alain Resnais, que visto em contraste com o seu primeiro e mais elogiado trabalho, Hiroshima Meu Amor, parece incrivelmente simples e despretensioso. Leigo engano, pois, Medos Privados em Lugares Públicos pode até não ter a montagem complexa e absurda dos primeiros trabalhos de Resnais, mas desafia o espectador a linearizar algo que é muito mais abstrato do que cenas de um filme: pessoas.

O filme passeia por momentos cotidianos na vida de seis parisienses que são conectados através da Teoria dos seis graus de separação, onde cogita-se que todas as pessoas do mundo estão conectadas por no máximo seis outras. É inverno na França e as pessoas parecem estar cada vez mais solitárias em uma época tida tradicionalmente como romântica e aconchegante, em pleno a cidade do amor. Esse é um efeito que pode ser sutilmente constatado ao final do filme. A sensação que se pode ter é de que a estória daquelas personagens é inerte – eles saem de um lugar inicialmente para voltar a ele no final – mas o espectador mais atento vai perceber que os frágeis laços que os unem se enfraquecem ainda mais com o decorrer da história. Nicole e Dan inicialmente são noivos em crise e terminam rompendo o relacionamento; a relação superficial e estritamente profissional de Thierry e Charlotte fica extremamente confusa e constrangedora; Gaelle inicialmente tem a ambição de apesar de seu self-hatred, encontrar alguém e ao final acaba saindo machucada de um falso relacionamento amoroso; e finalmente Lionel, garçom e ouvinte no inicio, perde o pai.

A dura peça de Resnais trata em primeira análise da solidão, mas se envereda por outros pequenos assuntos ao longo da projeção, que apesar de diferentes, são inerentes à solidão pessoal. Essa solidão assume um aspecto personificado em Medos Privados em Lugares Públicos, como se brotasse, de tão intensa, das vidas das personagens para adquirir forma própria. É a neve e é o frio, que as afasta ou que as atraí para afastá-las ainda mais no final. Não é por menos que ao invés de uma transição em fade tradicional, Resnais intercorte-a com uma visão de neve em constante queda: é o ambiente tomando forma significativa no filme, é expressionismo puro, belo e poético. O cineasta, através desse efeito, veredicta o destino de suas criações, que desde a primeira visão de uma Paris completamente desolada e tomada pela neve, estão condenados a estarem e continuarem (ainda mais) sozinhos.

Alains Resnais, que trabalha com cinema há mais 60 anos, nos gratifica com uma de suas mais belas direções em longa-metragens. São planos esteticamente simples, mas de bela substância, com constantes e precisos movimentos, que dão ritmo certo ao filme e agradam definitivamente a quem se aventura a admirar as infinitas emoções contidas em uma imagem cinematograficamente fotografada. É fantástico notar que um diretor, mesmo após décadas e décadas de trabalho não tenha perdido o toque e ainda tenha se dado ao luxo de se reinventar de forma tão evidente, como Resnais o fez. O cineasta demonstra talento e liderança ao assumir à frente de um projeto que une tão bem aspectos não apenas do cinema como arte, mas da literatura, da música e do cotidiano.

Medos Privados em Lugares Públicos é um tratado sobre uma condição recorrente e por muitas vezes permanente da personalidade humana e age de forma popular e direta sob a mente e os olhos de quem assiste, pois utiliza-se de uma linguagem descomplicada para definir e sustentar suas intenções. Obra de mestre.

5/5

Ficha técnica: Medos Privados em Lugares Públicos (Coeurs) – 2006, França. Dir.: Alain Resnais. Elenco: Sabine Azéma, Isabelle Carré, Laura Morante, Pierre Arditi, André Dussollier, Lambert Wilson, Claude Rich.

9 comentários em “Medos Privados em Lugares Públicos (Alain Resnais, 2006)

    1. Paulo Martins com onze anos já ia ao cinema ver filmes assim.
      Cada vez deixa seu irmão mais orgulhoso. =’D

      Já eu, com essa idade ia assistir Pokémon.
      Ah, na verdade não! Eu tinha doze quando saiu o primeiro.

Deixar mensagem para Allan Danilo Cancelar resposta