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Síndrome de Caim (Brian De Palma, 1992)

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– por Luiz Carlos Freitas

Após passear pelo mundo da máfia em Os Intocáveis (1987), discutir questões éticas e humanitárias em Pecados de Guerra (1989) e até uma inusitada comédia de humor negro sobre a aristocracia nova iorquina (o até divertido A Fogueira das Vaidades, de 1990), em 1992 o “Herdeiro de Hitchcock” quebra seu jejum de quase uma década desde o último suspense do (o fantástico Dublê de Corpo, de 1984) com Síndrome de Caim.

A trama tem um pouco de tudo que mais marcou a filmografia de suspense do diretor: vilões insanos, conspirações mirabolantes, reviravoltas escrotas e demência à cada frame. O argumento é bom, mas perde-se em meio a uma trama desnecessariamente confusa em alguns momentos. Os personagens são mal trabalhados e suas motivações não são apresentadas de forma convincente. O que deveria ser um dos grandes mistérios da trama (por exemplo), relativo às psicoses de um dos personagens centrais, já se faz bastante óbvio logo nos primeiros cinco minutos de filme (sério, cinco minutos mesmo, não é exagero).

Os fatos nos quais a estória é sustentada são complexos demais para os [poucos] noventa minutos de projeção. Há um excesso de situações que, admito, são muito bem boladas, mas não rendem tanto quanto poderiam pela pressa do roteiro, que atropela momentos importantes, nos brindando com saídas fáceis (o modo como os policiais passam um dos personagens de testemunha de um crime a suspeito me fez rir – sem falar que, mais uma vez, personagens importantes, como o “detetive aposentado que descobre tudo sem nenhum esforço”, entram e saem da trama sem explicação alguma). Em alguns momentos chegamos a ter a sensação de que o diretor se deu conta de que o filme estava acabando e resolveu “jogar” as soluções para concluir logo a trama, com personagens desaparecendo na mesma velocidade que entram em cena, deixando tudo muito superficial.

A escolha do elenco é um ponto positivo, encabeçado por um ótimo John Litgow (que já havia trabalhado em mais dois filmes do diretor) mostrando toda a sua versatilidade ao encarnar cinco personagens diferentes ao longo do filme e Lolita Davidovich, sua esposa Jenny. De resto, apesar de algumas exceções como Steven Bauer, (Jack Dante, que já tinha trabalhado com ele em Scarface – personagem chave para algumas reviravoltas da trama, mas que parece ter caído de pára-quedas na situação – o modo como entra na história e suas motivações são risíveis), tão inexpressivo quanto um formulário de declaração de imposto de renda, não chega a decepcionar.

Claro, apesar de todos os problemas, ainda podemos dizer que é um legítimo De Palma. Suas set pieces estão todas ali e, diferente de seu faro para escolher bons roteiros, isso foi algo que só melhorou com o tempo. Longos planos sequência, como o da conversa entre os policiais e a Dra. Lynn Waldheim (Fracens Sternhagen) enquanto caminham pelos corredores do departamento de polícia (um delicioso passeio sem cortes de pouco mais de três minutos), os assassinatos, o “encontro” no parque, as sequências de pesadelos e o tão esperado confronto final além, é claro, das referências (destaque à cena da ocultação de um cadáver a la Psicose).

Aliás, o momento mais esperado do filme decepciona um pouco. Tecnicamente falando, a cena é perfeita. É admirável toda a série de acontecimentos para a construção da cena e do ambiente. O grande problema é justamente criar uma atmosfera de tensão incrível para culminar em um clímax completamente asséptico. Bem decepcionante, mesmo.

Todo o cinismo e cara-de-pau do De Palma se faz presente. Ele chega até ao ponto de “plagiar” a si mesmo (ou vão dizer que um homem de peruca e vestido de mulher com uma navalha dentro de um elevador foi apenas coincidência?). Além desse momento, temos uma breve surpresa ao final (que também nem é tão surpreendente assim), num parque, de longe a melhor cena de todo o filme (não dá, suas “referências” sempre salvam qualquer filme do desastre total).

Ao fim, temos mais um filme que “também não”. À exceção de O Pagamento Final, obra-prima lançada no ano seguinte (e um dos melhores filmes de gangster já feitos), todos os seus filmes à partir desse aqui foram consideravelmente decepcionantes. Não que sejam ruins, mas ficaram bem aquém do brilhantismo de outros momentos. Bem, Missão Marte é, mesmo, ruim … Mas isso é assunto pra outra hora.

3/5

Ficha Técnica: Síndrome de Caim (Raising Cain) 1992, EUA – Dir.: Brian De Palma Elenco: John Lithgow, Lolita Davidovich, Steven Bauer, Frances Sternhagen, Gregg Henry, Tom Bower, Mel Harris, Teri Austin, Gabrielle Carteris, Barton Heyman, Amanda Pombo, Kathleen Callan, Ed Hooks, Jim Johnson, Karen Kahn.

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