– por Bernardo Brum
Abel Ferrara, filme após filme, fez do céu e do inferno forças que ditas opositoras, são assustadoramente próximas, conectadas e dependentes uma da outra. Do dilema do personagem de Harvey Keitel em Vício Frenético ao clímax com a serial killer surda-muda vestida de freira em Sedução e Vingança, entre tantos outros momentos de sua filmografia, Ferrara costurou um mundo onde a sociedade, para continuar a existir, é progressivamente contaminada por uma pestilência inevitável, uma corrupção irresístivel e uma tendência para a destruição impressionante.
Em O Rei de Nova York, a primeira de suas grandes obras-primas que iria realizar ao longo dos anos noventa, ele conta a história de Frank White, um chefão da cocaína de Nova York que, após anos encarcerado, se vê em liberdade de novo para mais uma vez reconstruir seu império, ajudado por sua gangue de traficantes negros. Ao mesmo tempo que negocia e/ou combate outras gangues étnicas, também vê em seu encalço um grupo de policiais que desejam desesperadamente prender Frank e seus cúmplices.
Só pelo início, Ferrara já denuncia o que vem pela frente: cercado tanto da escória social quanto da alta cúpula da sociedade, White parece ser ideal para a profissão que escolheu: ao mesmo tempo, é refinado, implacável, charmoso e brutal – o que faz com que as pesoas nos postos mais altos da sociedade facilmente se sujeitem a ele, obriga outras gangues a se ajoelharem com sua mão de ferro, recruta bandidos não filiados, desperta desejo nas mulheres e a todo momento faz a polícia se sentir desafiada.
Toda a aura de mito urbano construído em cima de Frank – fazendo dele um nome muito mais citado do que visto – é construído de forma absolutamente genial pelo diretor, desde a dança que reintegra o gângster a sua gangue, o que lembra em muito uma dança tribal, ainda que estejam cantando hip hop até os travellings de luz, sombras, corredores e vidros que fazem o personagem de Walken, com seu penteado revolto, palidez e figura imponente parecer uma espécie de Nosferatu reconfigurado, que faz de Nova York sua Transilvânia, mas que ao contrário da figura que lhe deu origem, não é uma criatura amaldiçoada por tudo e por todos, ainda que seja o pária. O mais poderoso dos párias, mas o desajustado em todos os lugares que frequenta. Inclusive, o clássico de Murnau é citado explicitamente onde uma tentativa de negociação ocorre num cinema particular onde uma gangue asiática assiste filmes do expressionista alemão.
A estilização feita da violência é outro ponto impressionante a se destacar. De cada momento violento, o diretor faz disto um ponto chave de mudança do roteiro e arranca uma imagem impressionante atrás da outra. O tratamento que Ferrara dá a cada uma delas é preciso demais – desde a execução de um informante delator, que tem uns plongées e contra-plongées aterrorizantes até sua sequência mais famosa, onde em uma boate barra pesada toda iluminada de azul começam a surgir faíscas brancas que provocam um esporro sonoro tremendo. Dessa imensa tela azul que não se deixa enxergar mais nada além dos contornos, Ferrara vai rompendo com luzes que prenunciam morte, destruição e degradação – a paz pervertida do azul é corrompida pela luz das balas sendo disparadas, o interior da boate é rompido pelas infinitas ruas da Grande Maçã, o mormaço é substituído pela perseguição, a chuva rompe, começam as batidas e culminam nas mortes do mais leal dos traficantes e do mais dedicado policial.
Nessa cena, uma das maiores sínteses do cinema de Abel, podemos encontrar pela sua estética de raro domínio de compreensão e distorção de espaço o mesmo que vamos ouvir quando Walken invade o quarto de um dos únicos cabeças da operação que saiu vivo. “Você acha que me matando em algum clube noturno vai impedir o que leva alguém a se drogar?”, pergunta ele. “Eu não sou seu problema. Eu sou apenas um homem de negócios”. Após esse último discurso, vai embora. Numa perseguição de clima mais pesado ainda, o último momento de filme leva todos para o buraco. Policiais, civis e bandidos caem. Até o rei de Nova York, que faz o trânsito parar, o saudando sem saber. Sem marcha fúnebre, sangrando as tripas fora, sem o tapete vermelho, sem mulher, Frank White dá seu último suspiro encerrando uma das sequências mais sufocantes do cinema.
Objetivo, estilizado, metafórico e realista, Abel faz tudo chover na cara do espectador ao mesmo tempo, uma tempestade de paradoxos a nível de cartarse. Sem concessões ou freios, foi erguido um monumento cinematográfico de poderio inenarrável – uma das mais impressionantes orgias de imagem, luz, sombra, som, música e ruído da história.
5/5
O Rei de Nova York (King of New York) – 1990, Estados Unidos. Dir.: Abel Ferrara. Elenco: Christopher Walken, David Caruso, Wesley Snipes, Steve Buscemi, Laurence Fishburne, Vanessa Angel, Erica Gimpel
19 de setembro de 2009 at 17:24
Crítica muito boa para o melhor filme do Ferrara.
19 de setembro de 2009 at 18:33
ta boa mesmo, mas tem besteira nela, tipo…
” O Rei de Nova York, a primeira de suas grandes obras-primas que iria realizar…”
Ms.45 e China Girl, são obrasprimas perfeitas. E eu particularmente, acho ambos os filmes melhores que The King of NY, que é muito foda.
19 de setembro de 2009 at 18:36
king of ny*
19 de setembro de 2009 at 18:48
Ms. 45 é obra-prima total com toda certeza. É Carrie, Polanski, Thriller e Scorsese juntos num filme só, porra
19 de setembro de 2009 at 18:48
MAS, não gosto do Ferrara.
19 de setembro de 2009 at 22:27
E aqui, se olharem para sua esquerda, verão uma das mais raras e impressionantes criaturas do reino animal: um não-apreciador de Abel Ferrara.
Incrível.
19 de setembro de 2009 at 19:41
é, Ms. 45 é fodão sim, China Girl anda não vi.
mas pelo que eu assisti do Ferrara pré King of Ny só me deu mais certeza que o auge do cara foi nos anos 90 mesmo.
19 de setembro de 2009 at 20:37
Excelente critica, meu Deus. Mas do Ferrara ainda prefiro New Rose Hotel.
20 de setembro de 2009 at 0:48
guilherme é viadinho.
New Rose Hotel é o melhor filme da decada de 90.
20 de setembro de 2009 at 0:51
Bernardo, veja China Girl, pos nele tem a cena QUE TEM O MELHOR MOVIMENTO DE CAMERA do Ferrada.
20 de setembro de 2009 at 2:05
Ainda não me conformo o quão foda o Cristopher Walken é.
20 de setembro de 2009 at 9:43
Em Os Viciosos, 10 minutos de Walken ganham o filme inteiro.
20 de setembro de 2009 at 12:04
O Walken é uma mocinha perto do Rourke. :9
20 de setembro de 2009 at 12:15
o Rourke é um metido a junkie qualquer perto do Walken.
2 de outubro de 2009 at 18:29
Rei de nova yorke é de fato o melhor filme dele [não ficam atras blackout nem new rose].
E a critica ficou muito boa msm. So que eu não tenho coragem de escvrever sobre nenhum filme do cara, qto mais do meu preferido dele!
2 de outubro de 2009 at 18:29
Walken come o cu do Rourke sem botar o pau pra fora.
8 de abril de 2010 at 3:35
[…] a tênue linha entre o cinema e a realidade e abrir as portas para o pantanoso terreno do fracasso (O Rei de Nova York e Vício Frenético já nos guiavam até os portões, mas eles nunca tinham tocado nesse ponto […]
22 de agosto de 2010 at 12:29
[…] um dos grandes filmes de gânsgter da sua época, junto a Pulp Fiction, Os Bons Companheiros, O Rei de Nova York, O Pagamento Final e tantos outros. E como todos sabemos, em grande parte de seus filmes sérios […]
20 de dezembro de 2010 at 20:45
[…] – Crítica […]
29 de abril de 2012 at 18:28
[…] o conflito cristão do nova-iorquino, assim como o policial de Vício Frenético ou o mafioso de O Rei de Nova York. Esse conflito cristão não está demonstrado através dos símbolos religiosos, mas mais uma vez […]
4 de setembro de 2012 at 10:36
[…] um dos grandes filmes de gânsgter da sua época, junto a Pulp Fiction, Os Bons Companheiros, O Rei de Nova York, O Pagamento Final e tantos outros. E como todos sabemos, em grande parte de seus filmes sérios […]
14 de agosto de 2018 at 17:10
Good post
14 de agosto de 2018 at 17:13
Good post
20 de outubro de 2018 at 0:06
I have noticed you don’t monetize your page, don’t waste your traffic,
you can earn extra cash every month. You can use the best adsense
alternative for any type of website (they approve
all websites), for more info simply search in gooogle:
boorfe’s tips monetize your website